pesquisa de Staley Miller

Até a década de 50, as preocupações quanto à origem da vida eram consideradas assunto especulativo, incapaz de levar a conclusões mais decisivas. Era comum que posições religiosas e dogmáticas impedissem uma abordagem científica do tema. Hoje, não só muitas perguntas relativas à origem dos seres vivos foram respondidas como incontáveis experimentos de laboratório reproduziram condições supostamente vigentes na época. Obteve-se assim um conjunto de informações que permitiu formular teorias coerentes e plausíveis. Os "tijolos" básicos
A Terra formou-se há cerca de quatro a cinco bilhões de anos. Há fósseis de criaturas microscópicas de um tipo de bactéria que prova que a vida surgiu há cerca de três bilhões de anos. Em algum momento, entre estas duas datas - a evidência molecular indica que foi há cerca de quatro bilhões de anos - deve ter ocorrido o incrível acontecimento da origem da vida.
Entretanto, antes de surgir qualquer forma de vida sobre a Terra não havia o oxigênio atmosférico (que é produzido pelas plantas), mas sim vapor d'água. É provável que no princípio a atmosfera da Terra contivesse apenas vapor d'água (H2O), metano (CH4), gás carbônico (CO2), hidrogênio (H2) e outros gases, hoje abundantes em outros planetas do sistema solar.
Nesse ambiente, surgiram espontaneamente os "tijolos" químicos que formam as grandes moléculas da vida. Esses "tijolos" são: os aminoácidos, que formam as proteínas; os ácidos graxos, que compõem as gorduras; e os açúcares, que constituem os carboidratos. Carboidratos e gorduras são compostos de carbono, hidrogênio e oxigênio. Das proteínas faz parte também o nitrogênio.
Quando a vida se formou, há 3,5 bilhões de anos, o ácido desoxirribonucleico, o DNA (acima, um modelo molecular), funcionou como elemento seletivo na manutenção da individualidade dos seres vivos.
Algumas provas da existência, na atmosfera primitiva, de água, hidrogênio, metano e amoníaco são fornecidas pela análise espectroscópica das estrelas; outras, pela observação de meteoritos provenientes do espaço interestelar. A análise das estrelas revela também a existência, em vários pontos do Universo, de pequenas moléculas orgânicas que estariam numa etapa primitiva de formação da vida. Os químicos reconstruíram em laboratórios, a nível experimental, estas condições primitivas, misturando os gases adequados e água num recipiente de vidro e adicionando energia, através de uma descarga elétrica. Desta forma, sintetizaram substâncias orgânicas de forma espontânea. É claro que o fato de as moléculas orgânicas aparecerem nesse caldo primitivo não seria suficiente. O passo mais importante foi o aparecimento de moléculas que se autoduplicavam, produzindo cópias de si mesmas.
Outro passo importante foi o aparecimento de estruturas anteriores às membranas, que proporcionaram espaços circunscritos onde aconteciam as reações químicas. Pode ter sido pouco depois deste estágio que criaturas simples, como as bactérias, deram lugar aos primeiros fósseis, há mais de três bilhões de anos.

Numa experiência pioneira, no início dos anos 50, o cientista americano Stanley Miller recriou a provável atmosfera primitiva. Misturou num recipiente hermeticamente fechado hidrogênio (H2), vapor d'água (H2O), amônia (NH3) e metano (CH4).
Fez passar através dessa mistura fortes descargas elétricas para simular os raios das tempestades ocorridas continuamente na época e obteve então aminoácidos - "tijolos" básicos das proteínas. Outras experiências testaram os efeitos do calor, dos raios ultravioleta e das radiações ionizantes sobre misturas semelhantes à de Miller - todas simulando a atmosfera primitiva.
O canibalismo inicial
No início, grande número de lagoas e oceanos foi se convertendo numa "sopa" de "tijolos da vida". Como não existiam ainda os seres vivos para comê-los, nem oxigênio livre para decompô-los, sua concentração só aumentava. A energia necessária à combinação entre essas pequenas moléculas (que leva à síntese de grandes moléculas como proteínas, gorduras e carboidratos) era proveniente sobretudo do calor do Sol, mas também da eletricidade.
O problema da síntese das grandes moléculas subdivide-se em dois, interdependentes: o primeiro trata apenas do aparecimento das moléclas que se conhecem atualmente; o segundo refere-se ao modo pelo qual se deu a passagem do estado de uma simples "sopa" de moléculas orgânicas para o aparecimetno de formas celulares organizadas.
O problema de como se formaram os tijolos da vida não se resolve pelo simples aparecimento de hidrogênio e de compostos de carbono e nitrogênio. Era preciso que eles se tivessem combinado de uma certa maneira.
Para o primeiro problema, a resposta é aparentemente paradoxal. Imaginemos uma pequena proteína formada por cinqüenta aminoácidos, de vinte variedades. Desmontando-se essa proteína e reagrupando-se seus aminoácidos, de todas as formas possíveis, isso resulta num número altíssimo: a unidade seguida de 48 zeros. Portanto, se nos mares primitivos eram possíveis todas as combinações (e eram, sem dúvida), por que razão vingaram as que produziram a vida? O paradoxo está em que vingaram exatamente porque produziram vida. Apareceram macromoléculas de diversos tipos, mas as que conseguiram organizar-se em pequenas unidades autoreprodutoras (como o DNA) usaram as outras como alimento. Isso permite saber que tipo de seres povoou primeiramente o Universo. Foram os heterótrofos, seres vivos, como animais e fungos, que comem outros seres vivos. Só depois surgiram os seres autótrofos, aqueles que, como as plantas, sintetizam seu próprio alimento.
Os primeiros seres vivos, unicelulares e muito simples, começaram a obter sua energia da ruptura das moléculas da "sopa" à sua volta; esgotada esta, passaram a tirar energia de outros seres vivos. Mas nesse ponto já deviam encontrar-se num estágio de complexidade que permitia o aproveitmanto das reações fotoquímicas: se não tivessem existido, nesta fase, seres capazes de explorar a luz solar, o período inicial de canibalismo teria acabado com a vida incipiente. Assim, a resposta para o primeiro problema - por que vingaram apenas certos tipos de macromoléculas - depende da resolução do segundo: como apareceram indivíduos que eliminaram aqueles incapazes de formar seus próprios sistemas de auto-reprodução.
Gotículas de coacervado obtidas artificialmente e fotografadas ao microscópio sugerem como devem ter se organizado as substâncias orgâmicas nos mares primitivos para o aparecimento das primeiras formas de vida.

A individualização
Primeiro, é preciso entender como surgiram as primeiras macromoléculas não dissolvidas no ambiente, mas agrupadas numa unidade constante e auto-reprodutora. O cientista soviético Alexander Oparin foi o primeiro a dar uma resposta aceitável: com raríssimas exceções as moléculas da vida são insolúveis na água e, nela colocadas, ou se depositam ou formam uma suspensão coloidal, o que é um fenômeno de natureza elétrica. Há dois tipos de colóides: os que não têm afinidade elétrica com a água e os que têm afinidade. Devido a essa afinidade, os colóides hidrófilos permitem que se forme á volta de suas moléculas uma película de água difícil de romper. Existe ainda um tipo especial de colóide orgânicos. São os coacervados: possuem grande número de moléculas, rigidamente licalizadas e isoladas do meio ambiente por uma película superficial de água. Desse modo, os coacervados adquirem sua "individualidade".
Tudo era favorável para que na "sopa" oceânica primitiva existissem muitos coacervados. Sobre eles atuou a seleção natural: somente as gotas capazes de englobar outras, ou de devorá-las, puderam sobreviver. Imagine um desses coacervados absorvendo substâncias do meio exterior ou aglutinando outras gotas. Ele aumenta e ao mesmo tempo que engloba substâncias elimina outras. Esse modelo de coacervado, que cresce por aposição, não bastaria, porém, para que a vida surgisse.
Era preciso que entre os coacervados aparecesse algum capaz de se auto-reproduzir, preservando todos os seus componentes. A esta etapa do processo evolutivo, a competição deve ter sido decisiva. As gotas que conseguiram auto-reproduzir-se ganharam a partida. Elas tinham uma memória que lhes permitia manter sua individualidade. Era o ácido desoxirribonucleico (DNA). As que não eram governadas pelo DNA reproduziram-se caoticamente.